Na escola, a gente aprende que o “sujeito” é quem faz ou sofre a ação na frase. Na semântica, sujeito pode ser definido como: pessoa de quem se omite ou desconhece o nome; pessoa comum; INDIVÍDUO.
Esse texto não é pra explicar nada, nem criar teoria. É só a tentativa de contar quem somos: três vozes negras e baianas que escrevem juntas. Um coletivo. Reconhecemos a importância de nomear-se, como nos ensina Lélia Gonzalez, mas preferimos nos chamar apenas de Sujeitos.
A gente reconhece quem veio antes e abriu caminho.Nada nasce do zero. Nos fundamentamos e nos apoiamos em pensadores e artistas como Saidiya Hartman, Frantz Fanon, Maya Angelou, Fred Moten, bell hooks, e nas brasileiras Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Nêgo Bispo e Abdias do Nascimento, entre tantos outros e outras que abriram os caminhos que hoje trilhamos. No cinema e no audiovisual nos inspiramos em coletivos e produtores contemporâneos como Filmes de Plástico, Centro Afrocarioca de Cinema, Egbe, MIMB, além de nossos parceiros e cúmplices: Grand Maitre Filmes, Saturnema Filmes, Cinemas Possíveis e Calundu Filmes. Formamos, juntos, um coletivo de coletivos, uma comunidade, um mundo possível.
Nosso cinema é íntimo, cotidiano, político. Acreditamos que o pessoal é político, que contar nossas histórias é um jeito de existir e resistir. E o cinema é, antes de tudo, coletivo — mesmo quando tentam nos fazer acreditar que só existe se tiver um “autor” ou uma “cabeça pensante”.
Hoje somos uma produtora, mas seguimos sendo um coletivo. Somos a Sujeito Filmes, um coletivo de sujeitos negros e baianos que, ao longo de oito anos de trajetória, vem buscando reimaginar um audiovisual negro, pessoal, (in)dependente.
A Sujeito Filmes nasceu em 2017, num curso gratuito de cinema em Salvador. Era pra ser só mais um curso, mas nos juntaram num mesmo grupo: Djalma Calmon, Heraldo de Deus e Vilma Martins. Nenhum de nós tinha feito cinema antes, mas tínhamos ideias parecidas e vontade de contar nossas histórias.
Nosso primeiro filme foi Sujeito Objeto (2017), sobre uma família negra tentando sobreviver. Pedro, o pai, é ator e trabalha como estátua viva. Renata, a mãe, sustenta a casa numa loja de relógios, abrindo mão dos sonhos. Era um drama, simples e cotidiano. Queríamos fazer um cinema com protagonismo negro — dentro e fora das câmeras — e contra o imaginário criado a cerca dos nossos corpos, onde a violência espetacularizada é valorilazada.
Depois vieram Barraca de Capeta (2018) e 5 Fitas (2020), sempre com a mesma pegada: histórias reais, poéticas, com nosso jeito de ver o mundo. 5 Fitas foi o filme que nos levou, a outros lugares no mundo, mas principalmente no mundo da imaginação das crianças. Muito mais do que prêmios e conquistas que tivemos com esse filme, maior é ser convidado até hoje para falar sobre ele em escolas e cineclubes. É ser referência de uma obra infanto-juvenil sobre sincretismo religioso, família e fé. É sobre ser muita coisa e, ao mesmo tempo, ser a gente.
A partir daí, crescemos, viramos produtora, mas sem perder a essência de coletivo. Saímos do pinscher para o vira-lata caramelo. Crescendo e transformando sem deixar de ser quem somos: negros, brasileiros, baianos por essência.
Aos poucos, os editais começaram a chegar, pois sem apoio também financeiro não é possível trabalhar e às vezes até existir nessa sociedade. Vieram Espinho Remoso e Bárbara (2025), dois curtas que continuam partindo dos nossos cotidianos, da nossa fé, da família, e sempre com uma abordagem poética e ao mesmo tempo crítica, trazendo e enaltecendo a arte, seja o teatro, a poesia, a música e principalmente o cinema, com a metalinguagem.
E por quê não pensar mais alto? Apesar de valorizar e seguir fazendo curtas, nós nos aventuramos nos primeiros longas. Star Video, dirigido por Vilma, e Baiano Precisa Ser Estudado, com roteiro de Heraldo, logo mais entram em produção. Também estamos organizando mostras, como a Mostra IRIRI de cinema experimental, que vem junto com processos de experimentação e pesquisa sobre cinema e audiovisual, desenvolvido por Vilma que gerou o curta Lamento às águas (2023), produzido durante seu mestrado em curadoria na Espanha.
Seguimos também apoiando, fazendo parcerias, como foi com os curtas, Meu Pai e a Praia (2024) da Grand Maitre Filmes, e Quantos Mais?(2021) de Cinemas Possíveis, e produzindo outros projetos e filmes baianos e negros. Estamos em fase de pré-produção do nosso mais novo curta A Cor da Patroa, de direção de Milena Anjos e roteiro de Leandro Souza. Pois é, a gente não para!
Nosso cinema é chamado de “independente”, mas a gente prefere dizer que ele é (in)dependente. Porque depende, sim: de políticas públicas, de parcerias, de afeto, de troca. Cinema pra gente é isso — um fazer coletivo e comprometido com outras formas de existir, produzir e circular.
Se o mundo real insiste em nos silenciar e dividir, a gente insiste em sonhar e lutar. E é sonhando juntos que seguimos imaginando futuros negros, radicais e coletivos.